O Vozes do ESG teve a honra de entrevistar Denise Hills, uma das principais vozes da sustentabilidade e inovação no Brasil e no mundo. Com uma trajetória impressionante, Denise compartilhou insights profundos sobre os desafios e as oportunidades na implementação de práticas de ESG nas empresas. A conversa foi tão inspiradora e enriquecedora que decidimos disponibilizá-la também em formato de podcast, disponível no Spotify, para que você possa se aprofundar nos detalhes e conhecer a visão dessa liderança tão influente. Clique no play para ouvir, ou leia a entrevista completa a seguir.
Sobre Denise Hills
Denise tem mais de 30 anos de experiência no mercado financeiro, atuando em posições de liderança principalmente nas áreas sustentabilidade e inovação. Foi Diretora Global de Sustentabilidade da Natura, Superintendente de Sustentabilidade do Itaú Unibanco e a primeira mulher a presidir a Rede Brasil do Pacto Global.
Denise Hills é referência em temas como carbono, mudanças climáticas, biodiversidade, direitos humanos, diversidade e inclusão, certificações e sistemas de gestão e risco em vários setores. Tem profundo conhecimento em gestão integrada de sustentabilidade, ESG e em 2022 foi reconhecida como Pioneira dos ODSs em Finanças Sustentáveis do Pacto Global da ONU, por seu trabalho de construção e disseminação da Agenda 2030 e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Bem como atuação no desenvolvimento e aplicação de metodologias de mensuração de impacto e risco ligados a ESG e Impacto.
Denise desempenhou um papel ativo em várias organizações e conselhos, como Pacto Global da ONU, IBGC, FEBRABAN e Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). É conselheira independente de empresas, advisor em estratégia, autora de livros nos temas finanças comportamentais e sustentabilidade e professora convidada da FDC e FIA USP.
Administradora pela Universidade de Ribeirão Preto, com especialização em Economia pela FIPE USP e Gestão Integrada de Sustentabilidade e Estratégica pela Fundação Dom Cabral (FDC), participou do Programe for Sustainable Leadership, Leadership and Sustainability (CPSL) pela University of Cambridge e Risk Management and Culture pela The Wharton School.
A seguir, leia a íntegra desta conversa que é uma imersão de conhecimento.
Íntegra da Entrevista com Denise Hills:
Com a sua experiência no UNEP FI e Pacto Global da ONU, como você vê a responsabilidade das empresas em iniciar ações sustentáveis e qual é o impacto real dessas iniciativas no desenvolvimento social e econômico?
Eu acho que nos últimos 15 anos, nos quais eu tenho me dedicado mais a essa agenda (eu comecei a carreira, como a Fernanda contou, no mercado financeiro), eu vejo um crescente não só interesse, como um entendimento de que os impactos das ações empresariais, impactos sejam sociais ou ambientais, as emissões de carbono, a circularidade, o uso e dependência de recursos da natureza, as questões de direitos humanos na cadeia de valor e até coisas mais internas das empresas, como o bem-estar, salário digno, outros setores, coisas peculiares de sustentabilidade, estão se tornando mais conscientes a cada ano que passa.
Então, empresas que têm um impacto, seja ambiental, seja social, mais relevante e menos regenerativo (por exemplo, as empresas mais emissoras e cada vez mais estão afetando a transição), não só elas têm consciência, como elas estão se estruturando do ponto de vista estratégico, do ponto de vista de entender que, por exemplo, as emissões de carbono, as metas, no sentido de buscar um desenvolvimento econômico mais inclusivo, de mais impacto positivo e até regenerativo, que tem sido a forma mais moderna de inovação, é cada vez mais parte da decisão estratégica.
O que a gente viu nos últimos dez anos, é que, não só no setor financeiro, mas como nas empresas de modo geral, a consciência de que o impacto não é só opcional, de que ele tem um valor econômico financeiro e que o grande papel das empresas como um todo é entender os seus impactos, um conceito que em sustentabilidade se chama materialidade. Mitigar, ou seja, reduzir os negativos, trabalhar para reduzir os negativos e ampliar os positivos e, muitas vezes, pensar em transformações do seu setor, do seu negócio, potencializar se ele já é mais próximo do que a gente tem chamado de uma nova economia mais limpa, mais verde, mais inclusiva, mais eficiente, que elas possam, eventualmente, até ajudar nessa curva que a gente tem visto na aceleração, se elas podem ser, inclusive, empresas mais regenerativas.
Boa parte da inovação está nascendo aí. Boa parte da política pública, especialmente no Brasil, mas nas grandes arquiteturas do mundo, nas COPs de clima, nas COPs de biodiversidade, como as que estão acontecendo agora, estão levando a própria política pública, não só a dar bons parâmetros de comparação para isso. Os grandes standards, referências mundiais, inclusive de contabilidade, mudaram no ano passado, e tudo isso mostra que, na verdade, a barra mínima, aquilo que a gente chama de política pública, regulamentação ou incentivos, está subindo muito rapidamente, assim como a maturidade das empresas, mas o prêmio está, o benefício está, o reconhecimento maior está em quem está mais próximo dessa liderança ou de um olhar de gestão integrada desses temas, assim como se faz a gestão de pessoas, a gestão do capital humano, a gestão do capital financeiro, ou mesmo da viabilidade econômico-financeira de um setor ou de um negócio.
Então, para resumir, eu acho que nos últimos dez anos cresceu a importância, a consciência e a tecnologia disponível para poder transformar isso em gestão. Cada vez mais, isso não é um tema de sustentabilidade, isso é um tema das empresas, do país, dos negócios, das pessoas. E a base regulatória vem correndo atrás disso, porque ela garante que todo mundo avance no mínimo, mas cumprir as leis ou seguir as principais recomendações, inclusive desse tema, tem pouca possibilidade de gerar diferencial para as empresas. É mais um risco do que uma oportunidade, mas ajuda muito a garantir o que é o novo básico de qualquer setor.
Você tem muita experiência em estratégia, especialmente em temas como Mudanças Climáticas e Empoderamento Feminino. Quais são os principais desafios que você enxerga para promover práticas mais inclusivas e sustentáveis nas corporações?
Acho que o primeiro grande desafio, principalmente nas questões ambientais, é de entendimento e conhecimento. A liderança ser capaz de identificar quais são, de fato, os temas materiais. Ter medido as suas emissões, ter entendido os desafios do seu setor. Já existem parâmetros, muita tecnologia que permite fazer isso, e aí transformar isso como parte integrante da decisão.
Acho que nos aspectos ambientais, a gente evoluiu muito nos últimos anos. Então, hoje, é possível fazer essa comparação, é possível ter ideia das suas emissões, por exemplo, mesmo que você seja uma pequena empresa. Nas questões sociais, eu diria que tanto os temas de direitos humanos na cadeia como os temas de bem-estar, saúde e de diversidade e inclusão, eles são muito mais antigos do que essa tecnologia, eles existem há mais tempo, mas eles tiveram mais dificuldade de permear a decisão.
Entretanto, eu creio que nos últimos anos, a sociedade, cada vez mais tem feito pressão para garantir que, inclusive nas empresas, a gente seja capaz de representar nas lideranças a sociedade para a qual a gente faz produtos e serviços, para a qual a gente cria inovação, para a qual a gente toma decisão, e que hoje ainda está muito longe dessa representação, especialmente se a gente olhar para a liderança.
Então, tem crescido uma consciência do que é que deve ser feito do lado social, do mesmo jeito das questões ambientais, e que isso tem muito mais a ver como talvez, nos grupos, enfim, nas pessoas que trabalham dentro das empresas, muito mais o tema de diversidade, equidade e inclusão tem avançado, especialmente em programas afirmativos, em entendimento do como você poderia, dependendo do seu segmento, atuar de uma forma ou de outra. Quais são os principais marcadores, eventualmente, de diversidade que fariam sentido você trabalhar prioritariamente, e principalmente as questões de saúde e bem-estar. Porque diversidade e inclusão é também sobre quem inclui, como é que a gente trabalha uma cultura que é mais pró-direitos humanos, que entende o valor de ser uma cultura mais aberta, que propicia maior inovação, um jeito mais moderno, contemporâneo, eu diria, de trabalhar.
Esses temas sociais, nos últimos anos, foram acrescidos, principalmente das questões do que chamamos de marcadores, quais são na verdade seus públicos prioritários (isso depende muito do país onde você está, da natureza da sua empresa). Muito mais nas questões de renda digna, porque como promover uma empresa que garante que todas as pessoas que trabalham nela, ou de alguma forma na sua cadeia de valor tem condições (não estamos falando nem de condições diferenciadas, estou falando de condições básicas, de viver, de saúde, de acesso à moradia e tudo mais). Isso é muito dado por renda digna, um tema, por exemplo, que o Pacto Global tem trabalhado.
A questão das mulheres avançou muito, então hoje a gente tem programas de trainee recentemente mostrando que cerca de 70% desses programas, inclusive do mercado financeiro, são mulheres. Mas a gente ainda tem menos de 30% de mulheres na liderança nas principais empresas do país como um todo. Então, ainda tem uma aceleração a caminhar para garantir que a gente tenha uma melhor representatividade, portanto uma capacidade maior de tornar a empresa mais permeável, mais contemporânea, mais inclusiva e mais inovadora, mais representante desses desafios de Brasil.
Então, sim, tem inúmeros desafios nesse sentido, e eu acho que as empresas agora estão mais maduras para compreender o real impacto de uma empresa mais diversa, não só do ponto de vista de resultado ou do ponto de vista de ter compromissos, mas de entender, na verdade, que uma empresa que funciona para todo mundo, que uma empresa que trabalha para o bem-estar, que trabalha para, inclusive, ser uma empresa mais equânime, que funciona em condições de igualdade, em condições diferenciadas, porém de igualdade para todo mundo, é uma empresa onde todo mundo quer trabalhar. Então, essa talvez seja uma grande vantagem, uma empresa que tem provavelmente clima melhor, uma capacidade muito mais de perceber o que está acontecendo na sociedade, e são definitivamente lugares, não só onde a gente quer trabalhar, mas onde a gente quer trabalhar por muito tempo.
Essa que eu acho que é a grande atratividade desse capital, que é diferenciado, que é diverso, que traz uma foto, uma percepção da realidade todo dia dentro da empresa, é uma enorme vantagem se você é uma dessas empresas que pensa cada vez mais do que eu sou feita e como eu vou durar.
Eu diria que os temas sociais avançaram nas questões de cadeia de valor muito para essa condição de condições adequadas de trabalho, bem-estar, direitos humanos como um todo (e rastreabilidade tem muito a ver com isso). Mas na questão de liderança e de escolhas internas, aumentou o nível de consciência, a quantidade de experiências, inclusive algumas que trazem mais mecanismos de denúncia para garantir que o clima seja capaz de refletir essa transformação, mas ainda menos talvez sensíveis do que muitas questões ambientais. O ambiental se transformou em tecnologia, está mais próximo da operação. Todo dia, quem lê jornal vê os desafios tanto sociais quanto ambientais, mas os ambientais estão ficando mais intensos. Então, talvez seja isso que explique uma diferença de maturidade entre uma coisa e outra. E a outra é que temas de cultura, temas mais ligados à diversidade e inclusão, a questões estruturais, eles levam mais tempo mesmo para que as pessoas absorvam e consigam fazer uma transformação que muitas vezes é coletiva e também individual. Mas os dois são importantes, eu diria que não existe um sem o outro. A gente separa para estudar, mas na vida real as coisas são interdependentes. Essa que é a grande questão: não dá para tomar uma decisão financeira sem pensar nisso. Não dá para pensar em impactos de mudança do clima sem recortes de gênero, de raça, de localidade, de vulnerabilidade. E não dá para pensar numa boa liderança se, na verdade, ela olha para o mundo como se ele fosse ou só de uma cor, ou só de um CEP, ou só de um lugar. Eu acho que isso é uma baixa capacidade de perceber inclusive o que é uma boa empresa, o quanto ela tem capital intelectual, coletivo, sensível, para refletir lá dentro os desafios que a gente está vivendo no mundo.
Em 2022, Você foi reconhecida pelo Pacto Global da ONU como Pioneira dos ODSs em finanças sustentáveis. Como você enxerga o papel do setor financeiro na implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, quais os avanços já foram feitos e o que ainda falta para uma transformação mais ampla?
Primeiramente, eu fiquei muito feliz. Eu trabalhei por muitos anos nessa agenda de criar novos padrões que permitissem a gente valorar econômico e financeiramente coisas que têm valor absoluto para o país. Então, por exemplo, é inexorável, é super importante a gente entender o que é o valor, por exemplo, de fazer negócios num país que tem uma natureza tão pungente, que tem, por exemplo, 60% do território que é lar da maior floresta tropical do mundo, uma das maiores biodiversidades do planeta, e que muitas vezes isso não está refletido ainda numa decisão ou num balanço de uma empresa. Eu trabalhei por vários anos no setor financeiro e na ONU, identificando esses impactos que precisariam ser incorporados, transformando eles em padrão, que hoje são os padrões aceitos.
Então, eu estive muito próxima da criação do Task Force for Climate Disclosure, falando aí em português, é como medir os impactos das mudanças climáticas no risco do seu capital, se você for um banco. Isso é super importante para garantir a viabilidade, a liquidez dos bancos, que podem ter o seu capital afetado por efeitos das mudanças do clima. Mesma coisa que nós aqui estivéssemos vivendo em regiões em que temos risco potencial com a nossa casa e falávamos, ah, não vai acontecer nada com a gente, não é importante, eu não vou colocar na conta uma eventual mudança climática que possa afetar a casa onde eu moro. Então, eu trabalhei muitos anos nisso.
Hoje, esses temas têm duas coisas que eu gostaria de deixar clara, ou deixar, assim, caminhos para quem está nos ouvindo. Primeiro, esses temas que nos últimos anos, seja a materialidade, como identificar quais são os temas sociais e ambientais por setor de economia, ou como a contabilidade e as finanças são capazes de refletir isso para uma boa tomada de decisão, mudaram tanto a ponto de, exatamente hoje, inclusive no Brasil, a gente está discutindo a nova contabilidade econômico-financeira. Não é a área de sustentabilidade, é a área de finanças e contabilidade, que deve ser implementada por empresas que têm suas ações negociadas em Bolsa, que são fundos de investimento, que são bancos até 2027.
Então, eu fico muito feliz de ver que a gente cria hoje padrões que são importantes para trazer para dentro das empresas, para tomada de decisão, mais clareza numa linguagem que inclusive é a mais tradicional da economia, a econômica financeira, e o que engaja muito mais e ajuda muito mais o diretor financeiro, ou seja, o planejamento estratégico da empresa, o processo de tomada de decisão a incorporar esses fatores. Então, eu creio que a gente está vivendo um momento muito especial, porque ele engaja as pessoas e as empresas no sentido de entender como mede isso, porque vai ser obrigatório declarar, porque vai ser obrigatório divulgar o balanço nessa condição. Alguém tem que fazer isso. Ela não consegue fazer sozinha, ela tem que perguntar para a cadeia de valor qual é a sua missão, quais são os seus riscos de sustentabilidade. Isso acaba movimentando toda a cadeia de valor e vai criando não só consenso e conhecimento, também no sentido de mover o mercado mais rápido para um que a gente chama de movimento de supertransparência que vai acontecer a partir de 2027.
Eu acho que a gente está vivendo um momento, de muito avanço de várias políticas públicas, e ao mesmo tempo extremamente desafiador, porque isso está fazendo com que várias empresas tenham que acelerar e correr essa agenda. E não é simples fazer essa implementação, tanto quanto não é simples mitigar os efeitos das crises climáticas e trabalhar na adaptação.
Mas eu diria que é um movimento importante porque ele força você a engajar e adquirir ou a incorporar esse conhecimento nos processos de tomada de decisão tradicional que ficam muito melhores após esse exercício. Ainda que você tome a mesma decisão, com base em dados de onde a minha empresa faz negócios, eu tenho esses riscos climáticos, ou, eventualmente, essas oportunidades de desenvolver aqui uma alternativa que, inclusive, seja mais rentável, possa captar recursos do mercado financeiro a uma taxa e em prazo melhores, ao mesmo tempo que isso vai fazer parte de uma decisão normal do dia-a-dia das empresas e não só algo que acontece, mais ou menos, na hora marginal. Então, eu vejo que o setor financeiro é super importante, tem caminhado bastante.
O Brasil já foi e é ainda uma das referências no sentido de incorporar essas medidas. A recente regulação da CVM, a CVM 193, que é justamente essa que recomenda e que obriga as empresas de capital aberto a divulgar seus balanços nesse parâmetro, mostra que o Brasil foi o primeiro a normatizar, a retificar, a garantir que essa norma, que é uma norma internacional, também seja aplicada aqui. Então, mostra que não só no setor financeiro, mas também no setor empresarial como um todo, nas bolsas de valores, o Brasil tem um pioneirismo que é relevante.
E é ainda mais importante, porque mais de uma questão de pioneirismo, a gente tem ativos, a gente tem mais benefícios do que risco nessa agenda. Então, mais do que nunca, nós deveríamos ser aqueles que defendem a incorporação da valoração econômico-financeira, também, desses temas na tomada de decisão empresarial, na política pública e no processo de financiamento dos bancos, que são, em tese, responsáveis e têm que dar, informar, o quanto dessa nova economia eles estão financiando todos os dias.
Então, os bancos brasileiros têm se engajado cada vez mais. A taxonomia brasileira de sustentabilidade tem trazido novos parâmetros para poder criar condições de comparabilidade e avanço, mas hoje você tem todos os financiamentos, a gente mede as emissões de financiamento, o Banco Central é ativo em garantir o reporte e o controle disso. Eu diria que o sistema financeiro do Brasil é consciente e tem ótimos desafios no sentido de caminhar entre clima e biodiversidade nos temas de uso da terra, um dos temas mais desafiadores para a nossa pauta, por exemplo, de emissões.
Mas, por outro lado, ano que vem receberemos aqui uma Conferência do Clima, lá em Belém, que é uma enorme oportunidade para quem está se preparando, quem pode receber alguns trilhões de investimento das transições, das adaptações e mitigações aos efeitos da mudança do clima, num país que tem muito mais a ganhar com isso do que a ter conta para pagar, como acontece em muitos países do mundo.
Você atua como conselheira em algumas organizações dos setores financeiro e de energia. Como esses setores estão lidando com as pressões e as oportunidades relacionadas ao ESG?
São dois setores super importantes, especialmente não só para o Brasil e para o mundo, mas o Brasil tem uma posição muito estratégica no setor de energia. É um país que tem uma competitividade ímpar na atração de investimentos, porque tem uma matriz energética preponderantemente limpa, que joga com todas as cartas de baralho nesta transição.
O desafio do setor energia é aumentar a sua produção de energia, há uma demanda crescente por energia. A gente está falando de crise ou risco, segurança energética, não só no Brasil como no mundo. Mas o Brasil tem uma posição muito peculiar nessa transição e fonte, inclusive, de competitividade em alguns setores, como principalmente o de transmissão ou de geração, principalmente nessa geração mais limpa.
No setor financeiro, eu creio que, além de ser responsável por entender seja o risco, seja a oportunidade de diversos setores dessa economia no portfólio como um todo, o setor financeiro tem cada vez mais, especialmente, acho que nos últimos anos, se mobilizado no sentido de financiar cada vez mais essa economia, que é mais limpa, mais verde, mais inclusiva, mais eficiente, com rastreabilidade, entendendo o papel do desenvolvimento econômico e da geração de renda e de negócios, e de uma capacidade, inclusive, financeira de retornar os investimentos, como essencial considerar esses temas.
Então, eu acho que o setor financeiro ainda pode ir muito mais. Existe, nos últimos anos, o crescimento de novas formas de incentivar ou de investir recursos, o blended finance, o que eles chamam de novos modelos de investimento que combinam, inclusive, doações com investimentos tradicionais, rentáveis, mas alongam o prazo, acelerando a transição, muitas vezes entre uma cadeia e outra. O crescimento do compromisso do Banco Central e do governo brasileiro no sentido de estabelecer políticas públicas, de buscar tanto o bom entendimento do real risco, principalmente das mudanças climáticas e de questões de direitos humanos no financiamento bancário, onde a gente garante que a gente empresta recursos para negócios que são viáveis, mas, ao mesmo tempo, promovem boas práticas de direitos humanos e de inclusão, têm renda digna e estão trabalhando a favor da redução das emissões ou em regeneração, por exemplo, de biomas críticos.
Então, esse é um tema que está cada vez mais crescendo no Brasil, cresce absurdamente, cerca de 10% ou 20% ao ano nos últimos 3, 4 anos. O financiamento desse tipo, desse modelo, seja de emissões de títulos, seja de novos índices nas bolsas de valores, cujas companhias se comprometem a ser ou mais verdes, ou menos emissoras, ou mais sustentáveis, como o ISE. Então, esse é um grande movimento, não só do setor financeiro, mas também do mercado de capitais, não só aqui no mundo.
A gente tem visto, me perguntam muito, e eu acho que vale trazer aqui, de um movimento talvez mais recente, desse não ESG, ESG não ESG, e muita gente me pergunta se nesses setores a gente tem visto um retrocesso. Eu acho que existe muita politização, existiu uma politização sobre o tema, talvez um entendimento dos impactos reais, materiais em alguns setores, mas no caso do Brasil, e acho que no caso do mundo, cada vez mais, não só as regulamentações, como a transparência, os indicadores de comparação incorporam esses temas, e a despeito de não se ouvir talvez falar menos, falar tanto quanto se ouvia na sigla ESG, o ESG é uma sigla que separa em parâmetros temas que são ligados à sustentabilidade, à viabilidade e à gestão do impacto dos negócios. Então, independente da sigla ou não, os temas definitivamente estão avançando muito nesses setores e cada vez mais estão sendo considerados como inclusive boa prática de risco e boa prática de entendimento da viabilidade dos negócios.
São dois setores bastante representativos da importância de se financiar essa economia. Um porque é crítico nessa transição e um valor para a matriz energética brasileira, e outro porque é fundamental para não só financiar, mas ser capaz de trazer para as empresas esses fundos que estão sendo dedicados a essa transição mais limpa, mais verde, mais inclusiva, mais eficiente. Isso tem sido feito não só do ponto de vista do setor financeiro como todo e do mercado de capitais, onde eu também sou membro de um conselho da Ambima, mas também em instituições multilaterais, como o BNDES, como os fundos, os bancos de desenvolvimento e tudo mais, todos eles têm uma agenda dedicada a isso.
Inclusive, o próprio BNDES, na sua agenda de infraestrutura, não na sua agenda de ESG, tem oito pilares dedicados a infraestrutura que são todos permeados por essa lógica mais verde, mais inclusiva, de uma economia mais nova e mais eficiente.
As empresas precisam se preparar para atender às exigências regulatórias relacionadas ao ESG. Na sua opinião, quais estratégias podem diferenciá-las no cumprimento das normas legais?
Eu diria que duas coisas são muito importantes, porque não só elas são, talvez, aceleradores, mas elas ajudam a companhia a compreender e praticar esses termos. O primeiro é esse conceito que existe, inclusive, para fora da sustentabilidade, o conceito é a materialidade. Ele existe em sustentabilidade, mas ele existe também na economia, que é você entender aquilo que são impactos reais, portanto materiais, que você gera, contrata alguém, gera o renda naquele lugar, não gera o renda no outro.
Uso recursos, uso aqui para fazer, já trabalhei em uma empresa de cosméticos, por exemplo, uso recursos como água e tudo mais. Qual é o risco e a dependência desses recursos? O que é material? O que eu preciso para fazer meu negócio? E qual é o risco dessa dependência e desse impacto que eu gero? Tanto o setor financeiro financiando os setores que deixam mais resíduos, ou são mais inovadores, mais verdes, mais inclusivos, ou, na verdade, o contrário. Então, entender qual é, do seu setor e da sua empresa, o impacto material e um grande acelerador.
E o segundo, eu diria que a hora que você entende isso e começa a priorizar como você vai trabalhar – impactos que hoje são negativos, você não tem nada a ganhar com eles – e que poderiam ser inspiradores, no sentido de onde é que eu vou fazer minha próxima fábrica? Onde é? De quem que eu vou comprar? Qual o tipo de investimento que eu vou fazer? Porque, certamente, em dez anos isso não será nenhum diferencial. Se hoje já é a lei, eu diria que lá atrás vai ser, lá atrás talvez não era, mas lá na frente vai ser mais o que cumprir a lei. Mas ao fazer isso, a segunda grande oportunidade para uma empresa grande ou pequena, é entender que isso é um novo dado de tomada de decisão.
Então, se hoje a gente tem um mercado de carbono sendo regularizado no Brasil, ou mesmo as questões de uso da terra tendo normativas, cada vez que eu escolho onde eu vou fazer negócio, de quem eu vou comprar, se ele é mais emissor ou menos emissor, eu poderia hoje, inclusive, considerar as emissões como um valor. Então, se eu emito muito, certamente eu vou ter um custo associado a isso no tempo. Se eu estou fazendo um investimento que me leva a reduzir essas emissões, talvez eu seja até geradora de crédito, ou até tenha a possibilidade de receber por isso, ou ter mais valor econômico nos meus produtos e serviços.
Então, eu acho que o entendimento daquilo que é material, porque é importante para você priorizar aquilo que você realmente tem impacto e não fazer um pouco de tudo, o que tem pouca mudança. Segundo, porque isso também ajuda muito a conversar dentro da empresa, porque o que é material, em geral, todo mundo conhece. E terceiro, ao cumprir essa lei, ou a entender essas novas regulamentações, aproveitar para incorporar esses novos indicadores que você tem que medir e reportar, na gestão.
Inclusive, para garantir que ao longo do tempo, no reporte, você informe bons resultados financeiros, crescimento da empresa, redução dos impactos negativos, melhoria dos positivos, que é o que vai acontecer no tempo. É por isso que eu até tinha comentado, numa pergunta anterior, que eu acho essencial a gente encarar esse momento e essa inovação, essa capacidade mais inovadora do Brasil, como uma oportunidade, e não como um compliance, como um risco legal.
O que você acredita que será o próximo grande passo para o setor corporativo em termos de ESG?
Eu tenho já ouvido muito, e eu não posso nem dizer que sou mais visionária, eu acho que quem está mais próximo, está com um olhar mais atento, para ou ler o jornal, assistir até um programa de TV, ou olhar muito na internet, vai ver que está surgindo um novo tema.
Eu acho que a questão de direitos humanos se estende para uma lógica de trabalho digno, o trabalho tem que ser, na verdade, alguma coisa que nos dê prazer, nos traga valor e tem que ser mais inclusivo, ele tem que funcionar, tem que ser acessível, e principalmente nos próximos anos a gente vai começar a ouvir muito mais, não de sustentabilidade, que é um conceito de, eu estou fazendo hoje, usando recursos que não predam, não tiram nada das próximas gerações, ou que deixam o meu negócio funcionando por muito tempo, eu estou em equilíbrio com o sistema. Mas a grande capacidade de inovação, ou de gerar valor diferenciado, onde estão surgindo as maiores inovações, são nos modelos que a gente chama de soluções baseadas na natureza, talvez a gente pense que uma estação de tratamento de esgoto seja muito necessária para todas as cidades, ou para qualquer lugar, saneamento é um grande desafio, mas talvez pouco de nós conheçamos que um jardim infiltrante pode ser uma alternativa tão eficiente quanto, às vezes melhor, mais barata e mais bonita. Então o conhecimento de soluções baseadas na natureza, que são capazes de ser rentáveis, eficientes e regenerativas, transformar cada vez mais essa curva, são o grande diferencial nos próximos anos.
E não é à toa que ao pensar nisso, muita gente me pergunta, mas Denise, existe zero carbono? E se eu te contar que se você pensar que um etanol ao ser produzido ele captura carbono, talvez algumas das tecnologias que a gente tenha por aí sejam carbono positivo, e elas sejam capazes de ser quem acelera essa curva rápida que a gente tem que atingir.
E essa não só é uma grande agenda para o Brasil, o Brasil é 15% de soluções baseadas na natureza, principalmente para carbono, do mundo inteiro, o segundo maior país tem 5%, é uma grande oportunidade também de atrair investimentos, e eu acho que esse é um pensamento muito bom. Como a gente imaginar que a gente vai trabalhar, vai ter, vai criar, vai investir empresas que por onde elas passam elas melhoram a capacidade de uma economia, um país, uma cidade, uma sociedade, gerar valor econômico no longo prazo.
Então, portanto, elas estão a favor de correr mais rápido nessa curva que a gente tem. Então, regeneração, soluções baseadas na natureza, e direitos humanos evoluindo para essa lógica de bem-estar, saúde mental, e o trabalho como parte intrínseca do valor da pessoa, da contribuição que ela tem, são os novos desafios que a gente tem.
Mas se eu pudesse escolher uma só, pensa em empresas que serão regenerativas, essas provavelmente são ótimos lugares para a gente escolher investir, trabalhar, comprar produtos e serviços, e isso de fato já está acontecendo na nossa prateleira de supermercado.
Que entrevista maravilhosa, não é mesmo? Se você gostou desse conteúdo, compartilhe no seu Linkedin e curta a nossa postagem no @portaldoesg. Parece pouco, mas faz toda a diferença para a continuidade do nosso trabalho.
Fernanda de Carvalho é Engenheira Florestal formada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Mestre em Ambiente, Sociedade e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Também estudou na Technische Universität München, Alemanha, onde cursou disciplinas do Mestrado em Manejo de Recursos Sustentáveis com ênfase em Silvicultura e Manejo de Vida Selvagem. Dedicou parte da sua carreira a projetos de Educação Ambiental e pesquisas relacionadas à Celulose e Papel. Trabalhou com Restauração Florestal e Formação Ambiental na Suzano S/A e como Consultora de Comunicação da Ocyan S/A. É conhecida no setor florestal pelos artigos publicados nos blogs Mata Nativa e Manda lá Ciência.