
Nesta edição da série Vozes do ESG, tivemos a alegria de conversar com Raisa Abdalla, profissional com uma trajetória exemplar na área de sustentabilidade, meio ambiente e ESG. Com vasta experiência em setores como inovação de processos, conformidade legal e fortalecimento da governança, Raisa tem se destacado pela geração de impactos positivos e pela criação de valor para stakeholders em diversas organizações.
Atualmente, como Gerente de Sustentabilidade da Kimberly-Clark para a América Latina, Raisa desempenha um papel fundamental na condução de estratégias sustentáveis em escala global. Sua jornada inclui posições de liderança em empresas renomadas, como Ambipar e Grupo Allonda, onde liderou iniciativas de gestão integrada e sustentabilidade.
Nesta entrevista, exploramos sua visão sobre a importância de integrar ESG ao centro das estratégias empresariais, destacando práticas inovadoras de sustentabilidade, impacto social, engajamento de stakeholders e superação de desafios no setor de cuidados pessoais. Leia a enrtrevista completa a seguir:
O que inspirou você a seguir uma carreira voltada para sustentabilidade e ESG? Existe algum momento ou experiência que marcou o início desse caminho?
Minha inspiração para seguir uma carreira voltada para ESG vem, primeiramente, da minha paixão pela natureza. Sou nascida no interior de São Paulo, em uma cidade de poucos habitantes, e fui criada em uma pequena fazenda, cercada de floresta. Preservar a natureza sempre foi um valor para minha família. Essa paixão me levou a cursar Ciências Biológicas, onde pude aprofundar o meu conhecimento sobre os impactos das atividades humanas no meio ambiente. Durante a faculdade, me encantei em perceber a importância de integrar a ciência com práticas de sustentabilidade. Continuei estudando, fiz mestrado e pós-graduações, e, com o tempo e com o desenvolvimento de conhecimentos práticos, percebi que poderia ampliar meu impacto atuando no campo ESG, integrando questões ambientais com os aspectos sociais e de governança. Além de garantir o compliance ambiental e social, que sempre foi uma prioridade para mim, vejo nessa área a oportunidade de criar soluções inovadoras e estratégicas que beneficiem tanto empresas quanto o planeta. Essa combinação de paixão desde a infância pela natureza, conhecimento técnico e a possibilidade de contribuir com uma transformação positiva me inspira diariamente a atuar no universo ESG.
Ao longo da minha trajetória na área de ESG e sustentabilidade, acompanhei inúmeras empresas com maturidades diversas em relação ao tema. Participar da construção de ESG como pilar central de maneira genuína e estratégica nas empresas, acompanhar as conquistas e criação de valor de forma mais consistente e resiliente, foi, com certeza, o que me marcou e que me tornou uma profissional melhor.
Em sua opinião, por que é importante que ESG esteja no centro da estratégia de uma empresa? Como você acredita que essa abordagem influencia o sucesso e a longevidade de uma organização?
Colocar ESG no centro da estratégia de uma empresa é essencial para garantir que a organização não apenas atenda as demandas de hoje, mas, também, esteja preparada para os desafios do futuro. Essa abordagem garante que a companhia seja capaz de se adaptar às mudanças regulatórias, responder às expectativas crescentes dos consumidores e investidores, e, acima de tudo, se tornar mais competitiva em um mercado cada vez mais orientado por sustentabilidade. Quando o ESG é integrado, os benefícios vão muito além do compliance, ajudando a mitigar riscos operacionais e reputacionais, atrair investidores que buscam negócios responsáveis e engajar os colaboradores. É um ganha-ganha.
As marcas devem ir além dos produtos e se conectar com as necessidades e valores dos consumidores por meio de um objetivo comum. Na Kimberly-Clark, por exemplo, trabalhamos pautados pelo nosso propósito de “um melhor cuidado para um mundo melhor”, que reflete o nosso compromisso de tornar a vida melhor enquanto trabalhamos para proteger os recursos naturais do planeta. Neste sentido, o olhar para a sustentabilidade permeia toda a nossa atuação, desde o cuidado com produtos, passando pelas operações e o meio ambiente, até as comunidades e os nossos colaboradores.
Nossa atuação tem como base o crescimento sustentável, que é indissociável do negócio. Ao nos atentar à sustentabilidade, estamos criando valor para os nossos negócios desde o fornecimento de nossos materiais até a prateleira, além de estarmos sempre inovando para prolongar a vida de nossos produtos e embalagens. Na Kimberly-Clark, nossa aspiração é desviar materiais de nossos oceanos e aterros sanitários e mantê-los na cadeia de valor para usos secundários e benéficos, por meio da inovação em produtos, fornecedores e sistemas externos. Além disso, buscamos contribuir positivamente com as comunidades onde atuamos e com a sociedade como um todo, por meio de projetos sociais em parceria com Prefeituras e com organizações como o Unicef e a Plan International.
Considerando o setor de cuidados pessoais, como a Kimberly-Clark utiliza a inovação em processos para minimizar impactos ambientais e promover uma produção mais sustentável? Poderia dar um exemplo recente de inovação implementada?
A Kimberly-Clark tem inovação em seu DNA. Desde criar categorias até iniciar novas conversas e minimizar estigmas, estamos sempre inovando, não apenas em nossos produtos, mas na maneira como dialogamos com nossos consumidores e em nossas práticas de mercado para atender e cuidar de cada mudança que impacta o dia a dia das pessoas. Olhando para os nossos produtos, apostamos na escuta ativa e empática com nossos consumidores. Para isso, precisamos estar atentos às novas tendências e integrá-las ao que acreditamos como companhia. Isso se aplica também aos anseios e necessidades em sustentabilidade. Atentos às tendências, identificamos oportunidades para nos desenvolvermos. Exemplo disso é o lançamento da linha Eco Protect de Huggies, para o qual conduzimos uma pesquisa com o nosso público consumidor que apontou uma crescente preocupação com a sustentabilidade no setor de cuidados pessoais. A linha Eco Protect inclui embalagens feitas de materiais reciclados e 100% recicláveis, além de fraldas de pano.
Já em relação à produção, nossas fábricas possuem o sistema de Automnomous Care, otimizando as paradas de máquinas, evitando, assim, desperdícios de matéria-prima e produto acabado, e garantindo o máximo desempenho e eficiência. Além disso, tendo em vista a implementação do conceito “Lean Energy”, foram realizados investimentos e melhorias em nossas máquinas e processos com automatização em todo o sistema de refrigeração das células produtivas para obter o mínimo de consumo de energia.
Para além da Kimberly-Clark, esperamos que nossa cadeia de fornecimento tenha um impacto positivo no planeta e nas comunidades onde vivemos e trabalhamos. Para isso, buscamos criar um ciclo global integrado em nossa cadeia de suprimentos, que oferece inovação, eficiência e agilidade desde a fonte até a prateleira. Trabalhamos juntos para fomentar ideias inovadoras e buscar mudanças de longo prazo, enquanto criamos valor social, ambiental e financeiro. Além disso, trabalhamos para utilizar materiais mais eficientes, que exijam menor quantidade com a mesma eficiência, mantendo a qualidade e a performance do produto sem impactos em seu custo.
Qual é o papel dos stakeholders no desenvolvimento das práticas ESG da Kimberly-Clark? Como a empresa envolve esses grupos para criar um valor compartilhado?
Na Kimberly-Clark, acreditamos que a colaboração entre os players é fundamental quando pensamos em criar impacto positivo para a sociedade, assim como também avaliamos como imprescindível o engajamento de parceiros e fornecedores para maximizarmos nossa jornada pela sustentabilidade. Por isso, temos como premissa trabalhar junto a fornecedores que compartilham da nossa visão, buscando operar de forma ambientalmente ética e socialmente responsável. A proteção do meio ambiente é um dos compromissos obrigatórios aos quais os fornecedores são responsáveis ao trabalhar conosco.
Com o olhar ambiental, nós participamos do programa “Mãos Para o Futuro”, Reciclagem – Trabalho e Renda, coordenado pela ABIHPEC (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos) e realizado em parceria com a ABIPLA (Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Limpeza e Afins) e a ABIMAPI (Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados). O programa tem como princípio a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e atua apoiando redes e cooperativas de catadores de materiais recicláveis. Ele é implementado no âmbito da Logística Reversa de Embalagens, com abrangência nacional, de forma a atender a Política Nacional de Resíduos Sólidos. A iniciativa alavanca a produção do ciclo virtuoso de crescimento econômico, gerador de emprego e renda, redutor de desigualdades e brechas estruturais, além de promover a sustentabilidade. O programa “Mãos Para o Futuro” atende a sete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU.
Além de práticas de logística reversa, vemos como estratégicas as parcerias que viabilizamos por meio das nossas marcas com ONGs e instituições para impacto social. Exemplos disso são as nossas ações com a Plan International, junto à Intimus, voltadas para o enfrentamento da pobreza menstrual e de estigmas em torno da menstruação, e com o UNICEF, por meio de Huggies, com foco na primeira infância e buscando garantir que mais bebês possam viver suas primeiras vezes. E, mais recentemente, com a Gerando Falcões, Huggies lançou no Brasil o primeiro produto social da Kimberly-Clark na América Latina, buscando ajudar a reverter e reduzir o número de crianças que vivem na pobreza no país.
Atuando em múltiplos países na América Latina, quais são os desafios que a Kimberly-Clark enfrenta para garantir compliance com diferentes exigências ambientais e sociais? Como a equipe trabalha para alinhar essas práticas em contextos tão distintos?
Atuar em múltiplos países da América Latina apresenta desafios referentes às diferentes regulamentações ambientais e sociais, bem como às variações culturais, econômicas e operacionais de cada mercado. Garantir o compliance em uma região tão diversa exige flexibilidade e coordenação estratégica. Para superar essas barreiras, adotamos uma abordagem integrada, que combina padrões globais com adaptações locais.
Um exemplo claro do esforço conjunto é o de alcançar o marco de Aterro Zero em toda a América Latina em 2022, ou seja, não destinamos resíduos industriais para aterros desde então. Além disso, realizamos reuniões regulares com todos os representantes das nossas fábricas e Centros de Distribuição, onde promovemos aprendizado e a troca de experiências, compartilhamos boas práticas e fortalecemos a conexão e a sinergia entre as operações. Essa troca contínua nos permite não apenas replicar as soluções eficazes, mas, também, inovar em conjunto, elevando o desempenho ambiental e social de toda a região, criando valor a longo prazo para todas as partes interessadas.
Existe algum dado recente ou métrica específica que você gostaria de compartilhar sobre o impacto positivo das ações ESG da Kimberly-Clark na América Latina?
Para 2030, temos como ambição na Kimberly-Clark reduzir em 50% nossa pegada ambiental global, com esforços para eliminar o desperdício e recuperar recursos, proteger florestas e a biodiversidade, reduzir as emissões de gases de efeito estufa e construir práticas de manejo da água em áreas de estresse hídrico. Além disso, pretendemos impactar positivamente 1 bilhão de vidas em todo o mundo, por meio de iniciativas que ajudem a minimizar estigmas e a melhorar a qualidade de vida e o bem-estar de pessoas em comunidades vulneráveis.
Nossa operação brasileira se destaca dentre alguns dos avanços apresentados no Relatório de Sustentabilidade global da companhia referente a 2023, como o atingimento de 100% da meta de redução da pegada florestal e o alcance de resultados significativos na redução da pegada hídrica, com a diminuição de 34% do consumo de água em nossa unidade em Camaçari, na Bahia, apenas em 2023. Em relação ao impacto social, já impactamos positivamente 44,5 milhões de vidas no Brasil, o que representa 50% do número regional da América Latina e 24% da meta global da companhia. Esse número é razão de muito orgulho para nós. As parcerias com organizações como UNICEF e Plan International são fundamentais na nossa estratégia, levando um melhor cuidado para pessoas em situação de vulnerabilidade social. Essas são parcerias da Kimberly-Clark a nível regional na América Latina.
Outro dado interessante se refere ao uso de plásticos: no Brasil, mais de 90% das nossas embalagens são recicláveis e 30% delas são recicladas. Cerca de 1/3 do avanço observado globalmente na meta de redução de pegada plástica está na América Latina. Dentro da meta de redução de pegada plástica, a não utilização de aterros também é um medidor. Nesta frente, a operação brasileira conquistou o marco de Aterro Zero em 2020. Hoje, 100% dos resíduos gerados na produção de dez plantas nossas na América Latina podem ser reaproveitados de alguma forma, fazendo com que não sejam descartados mais rejeitos em aterros sanitários.
Ao longo da sua carreira, quais foram os principais desafios que você enfrentou ao implementar práticas de sustentabilidade? Como você superou esses obstáculos?
Os principais desafios que enfrentei ao implementar práticas de sustentabilidade estão relacionados, sobretudo, à necessidade de mudar culturas organizacionais. Em alguns momentos ao longo da minha carreira, percebi que sustentabilidade era vista como uma obrigação para atender certificações ambientais ou sociais, e não como um pilar estratégico ou parte dos valores corporativos. Para superar esses obstáculos, adotei uma abordagem baseada no diálogo e na sensibilização, promovendo reuniões estratégicas para mostrar os benefícios tangíveis de práticas sustentáveis e éticas, tanto para o desempenho da empresa, quanto para a sociedade. O fortalecimento dos pares e da equipe interna também sempre foi de extrema importância, pois, ao incentivar as pessoas a focarem nos ganhos das ações, a cultura organizacional começa a evoluir para uma cultura de responsabilidade e inovação. Na Kimberly-Clark, a agenda ESG é um dos principais pilares da nossa atuação e está alinhada ao nosso propósito de “um melhor cuidado para um mundo melhor”. Aqui, todas as nossas atividades são orientadas pelo compromisso com o crescimento sustentável, que é parte essencial da nossa estratégia de negócios.
Quais lições e insights você acredita serem essenciais para líderes de outras empresas que estão começando sua jornada em ESG?
Acredito que o primeiro insight essencial é que ESG não deve ser visto como “uma moda ou onda passageira”, mas como um pilar estratégico da organização. Para isso, um dos maiores desafios nesta jornada é transformar a mentalidade dentro das empresas e isso exige paciência e perseverança. A capacidade de medir e comunicar os resultados é um diferencial, por isso, os líderes e colaboradores envolvidos com as áreas de ESG devem constantemente demonstrar que essas práticas criam valores tangíveis à organização, como eficiência operacional, inovação, redução de riscos operacionais e reputacionais, esforço colaborativo, entre outros benefícios. Compartilhar e comunicar os impactos positivos do ESG dentro e fora da organização ajudam a consolidar a sustentabilidade como prioridade estratégica. Por fim, ESG não é o destino, mas uma jornada em constante evolução. É preciso estar disposto a aprender, a inovar e se adaptar às mudanças para que essas práticas sejam duradouras e eficazes.
Como você enxerga o futuro de ESG, especialmente em um cenário global de rápidas mudanças ambientais e sociais? O que considera fundamental para que as empresas estejam preparadas para essas mudanças?
O futuro de ESG aponta uma evolução estratégica essencial para as empresas, impulsionada por mudanças no comportamento dos consumidores e pela crescente regulamentação ambiental. Estudos recentes apontam que a venda de produtos associados a iniciativas de ESG cresceu mais rapidamente, registrando taxas superiores aos produtos convencionais, mostrando também que o consumidor está disposto a pagar mais por opções sustentáveis, especialmente os jovens, as mulheres e os consumidores de alta renda. Isso reforça que ESG não é apenas uma preferência, mas, sim, um valor determinante nas decisões de compra.
Além disso, grande parte das companhias já está comprometida com metas de redução de carbono, o que pressiona pequenas e médias empresas a adotarem práticas sustentáveis para se manterem competitivas e alinhadas com políticas globais e emergentes. Para que as organizações estejam preparadas para o futuro, é fundamental: integrar ESG à estratégia central do negócio, indo além de ações pontuais; atuar com transparência e ética com todos os stakeholders; adotar tecnologias limpas e de inovação; e educar e engajar consumidores, colaboradores e comunidades. Em resumo, ESG não é uma tendência, mas, sim, uma garantia de longevidade e relevância em um mercado em transformação.
Que legal, né? É inspirador ver pessoas jovens assumindo papéis de destaque no ESG, trazendo inovação e energia para impulsionar práticas mais sustentáveis e responsáveis no mundo corporativo. Se você gostou deste conteúdo, compartilhe nas suas redes sociais e siga o @portaldoesg no Instagram.

Fernanda de Carvalho é Engenheira Florestal formada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Mestre em Ambiente, Sociedade e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Também estudou na Technische Universität München, Alemanha, onde cursou disciplinas do Mestrado em Manejo de Recursos Sustentáveis com ênfase em Silvicultura e Manejo de Vida Selvagem. Dedicou parte da sua carreira a projetos de Educação Ambiental e pesquisas relacionadas à Celulose e Papel. Trabalhou com Restauração Florestal e Formação Ambiental na Suzano S/A e como Consultora de Comunicação da Ocyan S/A. É conhecida no setor florestal pelos artigos publicados nos blogs Mata Nativa e Manda lá Ciência.
Excelente a entrevista da Raisa. ESG na prática e ao mesmo tempo estratégico. Parabéns!