
O equilíbrio entre conservação ambiental e desenvolvimento é um desafio global. No Brasil, as reservas privadas desempenham um papel fundamental na proteção da biodiversidade, aliando inovação, ciência e impacto socioeconômico.
Para entender melhor como esse modelo funciona na prática, conversamos com Daniela Gerdenits, gerente do Legado das Águas, uma das principais reservas privadas do país e parte da Reservas Votorantim.
Nesta entrevista, ela nos conta sobre as estratégias utilizadas para a preservação da Mata Atlântica e do Cerrado, as iniciativas sociais e os desafios de manter uma floresta em pé gerando valor sustentável. A seguir, leia a íntegra da nossa conversa:
Quais foram as principais estratégias adotadas para garantir a sustentabilidade e a conservação do Legado das Águas e do Legado Verdes do Cerrado?
Tanto o Legado das Águas quanto o Legado Verdes do Cerrado são exemplos concretos do modelo de negócios da Reservas Votorantim, que desenvolve soluções baseadas na natureza a partir do uso múltiplo da terra. Essa metodologia concilia a conservação da floresta e o uso sustentável dos recursos naturais com o maior potencial de geração de receita por hectare. Ou seja, através de diferentes linhas de negócios adequadas a cada território conseguimos gerar receita com a floresta em pé, garantindo sua conservação.
O Legado das Águas é a maior reserva privada de Mata Atlântica do Brasil. Como a gestão dessa reserva contribui para a conservação da biodiversidade e para o desenvolvimento de pesquisas científicas?
Desde sua criação, em 2012, o Legado das Águas promove e contribui com a conservação da fauna e flora da Mata Atlântica por meio do desenvolvimento de programas e projetos de pesquisa, divididos em iniciativas internas e em parcerias com instituições de pesquisas e ensino.
As linhas de investigação contemplam desde estudos de identificação, distribuição, uso de habitat e interações ecológicas das espécies, até o aprimoramento de técnicas de produção de plantas nativas, diagnósticos do cenário epidemiológico do ambiente florestal da reserva, e desenvolvimento de produtos e serviços que atendam e estimulem o desenvolvimento regional.
Os projetos realizados nesse período se destacam por terem gerado descobertas que estão entre as mais relevantes nos últimos 13 anos para a conservação da biodiversidade do bioma.
Os principais resultados são: parceria com mais 47 instituições; descoberta de duas antas albinas, que resultou em um projeto para avaliar a genética da população da espécie; a redescoberta de uma espécie de orquídea considerada extinta na natureza no Estado de São Paulo e sua reintrodução no habitat; o reconhecimento pela União Internacional Para Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) como Área Prioritária Global para conservação do macaco muriqui-do-sul, e o reconhecimento como Posto Avançado da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica pelo sistema ONU/Unesco.
Com o Centro de Biodiversidade, o Legado das Águas contribuiu com a restauração florestal de diversas localidades de Mata Atlântica, além de desenvolver projetos paisagísticos para ambientes urbanos que priorizam a flora nativa.
Atualmente, o Legado das Águas representa quase 1% dos 22,9% de remanescente de Mata Atlântica no Estado e abriga 13,5% de todas as espécies animais ameaçadas nesse bioma. A floresta, em alto grau de conservação, contribuiu para a mitigação do aquecimento global e mudanças climáticas com estoque de 10 milhões de toneladas de carbono.
O conhecimento gerado nas pesquisas realizadas no Legado das Águas é compartilhado por meio de publicações científicas, que já somam mais de 20, contribuindo com outros estudos, a popularização da ciência e o aumento do conhecimento sobre o bioma.
Quais iniciativas de conservação e restauração ambiental a Reservas Votorantim tem implementado nos biomas Cerrado e Mata Atlântica? Existem programas voltados para a proteção de espécies ameaçadas?
Nossa atuação nesses biomas abrange áreas florestais de alto nível de conservação onde é aplicada a metodologia de uso múltiplo da terra, além da realização de pesquisas científicas. Nos dois biomas contamos, por exemplo, com Centros de Biodiversidade, espaços onde pesquisamos e produzimos mudas de espécies nativas para projetos de restauração ecológica. Uma dessas espécies, nativa da Mata Atlântica, é a palmeira-juçara, ameaçada e que hoje conta com um número expressivo de indivíduos dentro do Legado das Águas. Também atuamos junto às comunidades próximas dos nossos territórios no intuito de gerar desenvolvimento social e educação ambiental.
No Cerrado, a produção de plantas nativas também é orientada para espécies ameaçadas de extinção e emblemáticas do bioma, como o baru, a aroeira, o angico, a canela-de-ema, a pitomba, a guariroba, o pequi, ipê e outras. Na frente de conservação de fauna, é feito o monitoramento de espécies ameaçadas como a onça-pintada, a onça-preta (onça-pintada com melanismo, rara no bioma), o lobo-guará, o cachorro-vinagre, o gato mourisco, e outros 80 animais.
Como a Reservas Votorantim enxerga o papel das reservas privadas no Brasil para a conservação ambiental em escala nacional? Quais são os benefícios e os desafios desse modelo?
De acordo com o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), o Brasil conta com mais de 1.800 reservas privadas, as RPPNs (Reservas Particulares do Patrimônio Natural), que estão espalhadas por todos os biomas do nosso país. Com um número tão expressivo, é impossível falar de conservação no Brasil sem incluir as reservas privadas nesses esforços e nas políticas que os viabilizem. Mas é recente a compreensão de que essa conservação pode vir junto com o desenvolvimento de novas linhas de negócio, como geração de créditos de carbono, biotecnologia e turismo, por exemplo. A Reservas Votorantim já nasceu com esse entendimento e é a prova de que isso é possível.
De que forma a Reservas Votorantim impacta positivamente as comunidades locais? Existem projetos sociais em andamento para promover a integração entre conservação ambiental e o desenvolvimento socioeconômico das regiões?
Quando fazemos os estudos de cada território, analisamos também a comunidade conectada a ele. Essa premissa tem o objetivo de catalisar iniciativas que contribuam para o desenvolvimento social e econômico dos municípios através de cadeias produtivas sustentáveis nessas localidades.
Isso acontece tanto através da contratação de mão de obra local quanto pela prestação de serviços e compra de insumos de fornecedores locais.
Além disso, são desenvolvidos diversos projetos em parceria com o Instituto Votorantim voltados para educação e inclusão produtiva, além de iniciativas sociais atreladas aos projetos de carbono implementados pela Reservas Votorantim.
No Legado das Águas, no âmbito de ações sociais, desde 2012, já foram realizadas mais de 12 iniciativas em parceira com o Instituto Votorantim, com destaque para as de Apoio à Gestão de Pública (AGP) em saúde e educação. Em saúde, as ações foram e continuam sendo essenciais para contribuir com os municípios a enfrentar os desafios e impactos deixados pela crise da pandemia da COVID-19, além da melhoria nos indicadores do Programa Previne Brasil. Em educação, as ações são realizadas por meio do PVE (Parceria pela valorização da educação), que já resultou em reconhecimento nacional para o município de Juquiá, e estruturação de planos pedagógicos em outras localidades.
Ainda no AGP, as iniciativas desenvolvidas nos municípios em parceria com o IV foram fundamentais para fortalecer as instâncias de gestão municipal, contribuindo para a redução de despesas, a otimização de recursos, o aumento da arrecadação e o aprimoramento do ordenamento territorial. No Vale do Ribeira, onde está inserido o Legado das Águas e onde se concentrou a maior parte dessas ações, o impacto é ainda mais significativo, dado que os indicadores de IDH ainda enfrentam desafios para alcançar níveis ideais.
Além de ser essencial para a proteção da floresta — já que esses territórios fazem parte do último e maior contínuo de Mata Atlântica do Brasil (e do mundo, onde o bioma ocorre) —, o ordenamento territorial também tem um impacto direto na saúde pública, pois está entre as principais estratégias da abordagem de Saúde Única, por influenciar diretamente fatores como controle de zoonose, qualidade da água e do ar, segurança alimentar e prevenção de desastres.
Nesse contexto, a Reservas Votorantim aplica no Legado das Águas o Programa de Saúde Única (PSU), iniciativa pioneira que aplica a integração entre saúde e conservação da Mata Atlântica na região, compartilhando o conhecimento adquirido com as pesquisas científicas realizadas no Legado. Em 2024, a integração entre o PSU e o AGP Saúde foi essencial para que o município de Tapiraí avançasse nos indicadores do Programa Previne Brasil, resultado impulsionado pela atuação dos agentes de saúde por meio dos atendimentos domiciliares, engajados por meio das ações da integração das duas iniciativas.
A Reservas Votorantim atua na promoção de um turismo sustentável. Como o turismo consciente é integrado à gestão das reservas e quais são os principais resultados até o momento?
A Reservas Votorantim aplica a metodologia de uso múltiplo da terra nos territórios sob sua gestão e identifica o potencial de cada área. No caso do Legado das Águas, o turismo é um dos potenciais identificados. Além de ser uma fonte de receita, é uma importante ferramenta para a conservação por diferentes aspectos. Aproxima a floresta da sociedade, que passa a enxergá-la na sua complexidade e importância para o planeta. Também pode ser atrelado à educação ambiental, que promove a conscientização da importância da conservação. Além de gerar emprego e renda para a comunidade próxima, que também passa a enxergar o valor da conservação.
Como vocês conciliam a necessidade de viabilidade econômica das reservas com a conservação ambiental? Existem exemplos de parcerias ou inovações na Reservas Votorantim que promovam ambos os aspectos?
Os territórios sob a gestão da Reservas Votorantim são o próprio exemplo disso. Através do modelo de uso múltiplo da terra conseguimos realizar diversas atividades econômicas com a floresta em pé, gerando o máximo de receita por hectare ao mesmo tempo que garantimos a conservação. No mesmo território podemos ter geração de créditos de carbono, produção de mudas nativas para restauração ecológica e paisagismo, bioprospecção, Integração Lavoura Pecuária Floresta, arrendamento para reserva legal, turismo, etc. Nosso modelo de negócio parte dessa conciliação.
Quais são os planos de médio e longo prazo da Reservas Votorantim para fortalecer ainda mais o papel das reservas na conservação ambiental e no desenvolvimento sustentável?
Como uma empresa da Economia Verde, uma das pioneiras no Brasil no desenvolvimento de negócios com a floresta em pé, o crescimento da Reservas Votorantim fortalece o movimento conservacionista. Temos inovado em carbono, com projetos pioneiros no Cerrado e metodologia própria na Mata Atlântica – o PSA Carbonflor –, realizamos parcerias para a bioprospecção e pesquisa científica e mantemos dois centros de biodiversidade onde estudamos e produzimos mudas nativas da Mata Atlântica e do Cerrado para projetos de restauração ecológica. A empresa segue desenvolvendo negócios sustentáveis.
Como os princípios de ESG estão integrados na gestão da Reservas Votorantim?
Por ser uma empresa da Economia Verde, os princípios de ESG estão na essência do negócio da Reservas Votorantim. É uma empresa que desenvolve soluções baseadas na natureza, ou seja, o ESG é a atividade-fim, não há como dissociá-lo.
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Fernanda de Carvalho é Engenheira Florestal formada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Mestre em Ambiente, Sociedade e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Também estudou na Technische Universität München, Alemanha, onde cursou disciplinas do Mestrado em Manejo de Recursos Sustentáveis com ênfase em Silvicultura e Manejo de Vida Selvagem. Dedicou parte da sua carreira a projetos de Educação Ambiental e pesquisas relacionadas à Celulose e Papel. Trabalhou com Restauração Florestal e Formação Ambiental na Suzano S/A e como Consultora de Comunicação da Ocyan S/A. É conhecida no setor florestal pelos artigos publicados nos blogs Mata Nativa e Manda lá Ciência.