
Em um cenário global cada vez mais atento às práticas socioambientais das empresas, a Natura segue como uma referência sólida de reputação, inovação e compromisso com a sustentabilidade. Prova disso é o recente reconhecimento como a única empresa brasileira no ranking Global RepTrak® 100, conquistando também o primeiro lugar no setor de beleza. Mais do que um prêmio, esse resultado reflete décadas de uma atuação consistente e integrada com os princípios de regeneração, inclusão e impacto positivo. Nesta entrevista exclusiva para o Portal do ESG, Angela Pinhati, Diretora de Sustentabilidade da Natura, revela os bastidores dessa jornada — os pilares estratégicos que sustentam essa reputação, os desafios de uma cadeia verdadeiramente sustentável e o papel da inovação na construção de um modelo de negócios voltado para o futuro.
Sobre Angela Pinhati
Com uma trajetória profissional marcada por solidez técnica, liderança estratégica e visão sustentável, Angela Pinhati é atualmente Diretora de Sustentabilidade da Natura, após mais de três décadas dedicadas à cadeia de suprimentos em empresas de referência como Rhodia, Unilever e, desde 2005, Natura. Ao longo de sua carreira, Angela atuou em posições de liderança no Brasil, América Latina e Europa, incluindo a expatriação como Diretora de Cadeia de Suprimentos para as Operações Internacionais da Natura, liderando equipes multiculturais e projetos de alto impacto. Também integra o conselho da UEBT – Union for Ethical Biotrade, reforçando seu compromisso com cadeias produtivas éticas e sustentáveis. Sua atuação reflete a integração entre propósito e performance, valores que a posicionam como uma das principais vozes em sustentabilidade corporativa no Brasil.
A seguir, leia a íntegra da nossa conversa:
Recentemente, a Natura foi reconhecida como a única empresa brasileira no ranking Global RepTrak® 100, e a número 1 no setor de beleza, subindo 39 posições em relação ao ano anterior. Na sua visão, quais pilares da estratégia da Natura foram determinantes para conquistar essa reputação global tão sólida, e como manter esse reconhecimento em um cenário de expectativas crescentes dos consumidores e investidores?
A sólida reputação da Natura é resultado de um conjunto de pilares estratégicos fortemente integrados à cultura organizacional e ao nosso modelo de negócios há décadas. Nosso compromisso com a sustentabilidade é um valor central na forma como fazemos negócios. Exemplo disso é nosso compromisso em nos tornarmos uma empresa 100% regenerativa até 2050, bem como o nosso plano de descarbonização com entregas já previstas para 2030. Isto é bastante ambicioso, visto que já somos uma empresa carbono zero desde 2007 e entendemos que precisamos seguir com iniciativas cada vez mais robustas para as pessoas e o planeta.
Outro pilar, em relação aos consumidores e investidores, é a inovação orientada para impacto, com investimentos consistentes em pesquisa e desenvolvimento de produtos que equilibram performance, bem-estar e menor impacto ambiental. Um exemplo é o Ekos Concentrado de Castanha, com 81% menos plástico e feito com material reciclado retirado de regiões ribeirinhas da Amazônia.
O terceiro pilar é a responsabilidade social ativa e inclusiva, com destaque para a atuação há mais de 25 anos junto às comunidades agroextrativistas, indígenas e ribeirinhas. São mais de 10 mil famílias envolvidas em cadeias de valor justas e sustentáveis. Esse relacionamento é sustentado por acordos de repartição de benefícios, contratos de longo prazo, apoio técnico e também por iniciativas como o Mecanismo Financeiro Amazônia Viva — uma solução de blended finance criada em parceria com o FUNBIO e a VERT para apoiar financeiramente cooperativas da floresta, por meio de um fundo filantrópico e um veículo de crédito estruturado com potencial de escala.
A circularidade também é um eixo estratégico importante. A Natura já alcançou 81% de embalagens reutilizáveis, recicláveis ou compostáveis e tem o compromisso de chegar a 100% até 2030. Iniciativas como o uso crescente de plástico reciclado pós-consumo e programas de logística reversa em toda a América Latina reforçam esse compromisso com a economia circular.
Além disso, a diversidade é um valor fundacional da marca e continua sendo tratada como prioridade estratégica. A Natura tem se posicionado publicamente sobre o tema e segue promovendo uma cultura de inclusão em toda a sua rede, refletida tanto em sua liderança quanto nas relações com consultoras, colaboradores, fornecedores e comunidades locais. Um exemplo é o fato de termos mais de 50% de mulheres na liderança sênior.
Essas iniciativas e outras mais refletem no reconhecimento reputacional que nos deixa muito orgulhosos. Para mantermos e aprofundarmos esse reconhecimento, continuamos investindo em transparência, integridade e inovação contínua, ampliando a nossa atuação como catalisadores de mudanças sistêmicas e mantendo um diálogo ativo com os stakeholders.
Como você vê o papel da cadeia de suprimentos na agenda ESG da Natura? Quais são os maiores desafios e oportunidades na busca por uma cadeia verdadeiramente sustentável e inclusiva?
A cadeia de suprimentos é um elo estratégico da agenda ESG da Natura, pois é nela que se materializam muitos dos compromissos assumidos com sustentabilidade, sociobiodiversidade e justiça social. A Natura atua com uma abordagem sistêmica que busca garantir rastreabilidade, comércio justo, respeito aos Direitos Humanos e práticas regenerativas desde a origem dos insumos até o consumidor final.
Os maiores desafios estão na complexidade da cadeia, na necessidade de conformidade com múltiplas legislações e no enfrentamento de práticas ilegais como o desmatamento e o garimpo. Além disso, garantir o engajamento e a capacitação de pequenos produtores e fornecedores para que adotem práticas sustentáveis requer investimento, tempo e diálogo constante. Muitas dessas comunidades vivem em áreas isoladas da Amazônia, com pouca infraestrutura, acesso limitado à tecnologia e histórico de vulnerabilização social.
Diante desses desafios, ainda nos anos 2000, a Natura decidiu investir no fortalecimento de cadeias produtivas da sociobiodiversidade, criando o Programa Natura Amazônia (PAM) e, posteriormente, em 2014, inaugurando o Ecoparque, em Benevides (PA), um polo tecnológico sustentável com mais de 99% da força de trabalho proveniente do estado.
Por outro lado, as oportunidades são imensas. Ao construir uma cadeia de suprimentos verdadeiramente inclusiva, contribuímos diretamente para a preservação da sociobiodiversidade, o fortalecimento da sociobioeconomia e o empoderamento de comunidades tradicionais, além de acessar mercados internacionais que exigem padrões ambientais e sociais cada vez mais rigorosos. Cadeias sustentáveis geram valor compartilhado e ampliam a resiliência do negócio. Hoje, a Natura se relaciona com mais de 10 mil famílias em 51 comunidades na Pan-Amazônia. Essas relações são certificadas pela Union for Ethical BioTrade (UEBT) e baseadas em contratos de longo prazo, repartição de benefícios, apoio técnico e pagamentos por serviços ambientais. A atuação contribui diretamente para a conservação de mais de 2,2 milhões de hectares de floresta, com impactos mensurados por estudos independentes.
Além do fornecimento de bioativos como castanha, andiroba e murumuru, a cadeia também incorpora práticas inovadoras como sistemas agroflorestais, infraestrutura local de processamento (são 18 agroindústrias em operação) e acesso ao financiamento, como no caso do Mecanismo Amazônia Viva — modelo de crédito híbrido desenvolvido pela Natura com parceiros para impulsionar o desenvolvimento sustentável de cooperativas da floresta.
A Natura tem uma forte presença em diversos países da América Latina. Como as diferentes realidades locais influenciam a estratégia global de sustentabilidade da companhia?
As diferentes realidades culturais, sociais e ambientais da América Latina são vistas como fatores que enriquecem a estratégia global da Natura. Nosso modelo de atuação é guiado por uma lógica “Glocal” (global e local), que respeita e incorpora as especificidades locais, sem perder a coerência com os compromissos globais da marca.
Por exemplo, trabalhamos com ondas de integração dos negócios nos países que consideram todos os aspectos importantes da sustentabilidade, inovação e outras frentes, compreendendo as dinâmicas locais e os interesses dos consumidores, parceiros e demais stakeholders. A atuação da América Hispânica também nos ajuda a ampliar a escala de iniciativas socioambientais e a integrar redes de cooperação que tornam a sustentabilidade mais eficiente e com resultados mensuráveis.
Um bom exemplo é o uso do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) para o entendimento de nossa rede de relações formada pelas Consultoras de Beleza, uma metodologia Global aplicada em cada país onde estamos presentes, com o objetivo de identificar quais são as necessidades e oportunidades para as consultoras.
Pensando na integração entre inovação e sustentabilidade: quais iniciativas ou projetos você destacaria como exemplos de como a Natura vem promovendo essa conexão?
A Natura acredita que a inovação é uma ferramenta poderosa para gerar impacto positivo, criar valor e promover relevância em toda a sua rede de relações. Essa visão se materializa em diversas frentes, desde a criação de cosméticos que valorizam a promoção de práticas regenerativas e sustentáveis.
Temos buscado soluções que vão além da mitigação de impactos, com foco em regenerar ecossistemas, valorizar comunidades e gerar inovação com propósito em toda a cadeia. Um exemplo concreto disso é o Ekos Castanha Concentrado, citado anteriormente. Ele é o primeiro hidratante corporal concentrado do mundo. Desenvolvido com plástico 100% reciclado retirado de áreas ribeirinhas da Amazônia, ele usa uma formulação minimalista de alta performance, mas com menos impacto ambiental — e carrega toda a inteligência de um design pensado para a circularidade e baixo carbono.
Outro exemplo é o SAF Dendê, um sistema agroflorestal desenvolvido no Pará que prova ser possível cultivar óleo de palma de forma sustentável, em áreas antes degradadas, e com diversidade de espécies amazônicas como mandioca, banana, açaí e madeiras nativas. Mais do que fornecer insumos, esse projeto cria alternativas reais ao desmatamento e já ocupa mais de 400 hectares, com a ambição de atingir 40 mil até 2035. A partir dele, lançamos a linha Natura Biōme, com shampoos e sabonetes sólidos, veganos, livres de plástico e com até 100% de ingredientes naturais.
No campo da circularidade destacamos a inauguração da fábrica Ecoprint, no Ecoparque de Benevides, em parceria com a Box Print. A unidade foi instalada sob o conceito de simbiose industrial, com 100% de mão de obra local, e tem potencial para produzir até 7 milhões de embalagens sustentáveis por ano, reforçando o compromisso com o desenvolvimento da bioeconomia na Amazônia. Também temos avançado com o programa Carbono Circular, que combina regeneração, compensação de carbono e remuneração por serviços ambientais prestados por comunidades. Um dos pilotos, realizado com a cooperativa RECA em Rondônia, já resultou na preservação de mais de 2.700 hectares e evitou a emissão de cerca de 370 mil toneladas de carbono.
Também incorporamos o uso de tecnologias como drones e imagens de satélite para apoiar a mensuração de carbono e o monitoramento de áreas de floresta em pé nas comunidades fornecedoras. Essa inovação, desenvolvida em parceria com a startup Bioverse, permite mapear regeneração florestal e estoque de carbono em territórios estratégicos, além de ampliar a escala de nossa atuação regenerativa de forma mais precisa, ágil e segura.
Essas iniciativas traduzem na prática a nossa Visão 2050, atualizada para consolidar um modelo de inovação baseado em soluções da natureza, com foco em impacto positivo para clima, biodiversidade e pessoas. É assim que buscamos transformar desafios ambientais em oportunidades para inovar, criar valor e gerar prosperidade compartilhada com os territórios onde atuamos.
Como vocês medem o impacto das ações de sustentabilidade da Natura, especialmente no que diz respeito à biodiversidade da Amazônia e ao desenvolvimento das comunidades locais?
Nosso modelo de mensuração está alinhado à Visão 2050 da Natura, que estabelece como compromisso se tornar um negócio regenerativo, ou seja, capaz de gerar impacto líquido positivo nos territórios onde atuamos. Para isso, adotamos a metodologia Integrated Profit & Loss (IP&L) que avalia os efeitos das nossas ações sobre três dimensões interdependentes: capital natural, humano e social. Essa análise nos permite entender o saldo real entre o que geramos de valor e o que ainda precisamos transformar para além da mitigação.
Em 2023, ano da última medição, esse modelo revelou que, para cada real de receita gerado por Natura e Avon na América Latina, R$2,70 foram retornados em forma de impacto positivo para as pessoas e o meio ambiente. Esse resultado é impulsionado por ações como o fortalecimento de cadeias da sociobiodiversidade amazônica, o apoio técnico às comunidades fornecedoras, a ampliação do uso de bioingredientes regenerativos e a expansão de soluções de economia circular, como embalagens recicláveis, refis e modelos de logística reversa.
Na sua visão, como as lideranças podem inspirar suas equipes a abraçarem a pauta ESG de forma genuína, indo além do cumprimento de metas?
A inspiração começa pelo exemplo. Líderes que vivem os valores ESG, que agem com coerência, escutam ativamente e valorizam a diversidade, criam uma cultura na qual a sustentabilidade deixa de ser uma meta imposta e passa a ser um propósito coletivo.
É fundamental conectar as pessoas ao propósito da empresa e mostrar como suas ações diárias contribuem para um bem maior, além de reconhecer iniciativas e promover um ambiente de aprendizado contínuo. Também é importante estimular a inovação e a cocriação de soluções sustentáveis, garantir que o tema ESG esteja presente nas conversas estratégicas, nos rituais da liderança e nos indicadores de performance. E, claro, liderar com propósito, promovendo pertencimento e protagonismo.
Para além da Natura, como você enxerga a evolução das práticas de ESG no setor de cosméticos e beleza? Que tendências você acredita que vão moldar o futuro desse mercado?
O setor de cosméticos está em profunda transformação. A jornada ESG deixou de ser opcional para se tornar imperativa. Vejo algumas tendências que moldarão o futuro, como os cosméticos regenerativos, que não apenas minimizam danos, mas regeneram ecossistemas e fortalecem comunidades. A economia circular aplicada ao design de produto, com embalagens refis (que utilizamos de forma pioneira desde 1983), reutilizáveis e insumos biodegradáveis, também se destaca. Outro aspecto são as certificações de impacto positivo, como carbono neutro, origem ética e práticas inclusivas. As marcas que conseguirem unir inovação com impacto positivo real terão a preferência do consumidor e o respeito do mercado.
Você tem uma trajetória que combina visão de negócios, operação e impacto socioambiental. Que conselho daria para jovens profissionais que desejam trilhar uma carreira conectada com propósito e impacto positivo?
Primeiro, tenham coragem de escolher um caminho com propósito. Segundo, conheçam profundamente os temas com os quais desejam trabalhar — ESG exige rigor técnico e visão sistêmica. Conheçam o negócio no qual atuam profundamente. Para o ESG ser perene e ter resultados consistentes é preciso fazer parte do negócio. Na Natura sempre falamos que transformamos desafios socioambientais em oportunidades de negócio, e isso é muito importante.
Busquem empresas com valores alinhados aos seus, estejam dispostos a aprender com diferentes áreas e pessoas, e jamais percam o senso de urgência diante dos desafios que enfrentamos. Conectar carreira com impacto positivo é possível. E mais do que isso: é necessário.
Por fim, uma pergunta de olhar para frente: como você imagina a Natura e o cenário da sustentabilidade empresarial daqui a 10 anos?
Vejo a Natura como referência global em regeneração, inovação e impacto positivo. Teremos alcançado importantes marcos públicos dos nosso compromissos 2030. No cenário empresarial mais amplo, a sustentabilidade deixará de ser um “departamento” para se tornar o próprio modelo de negócios. Empresas que não integram essa visão correm o risco de se tornarem obsoletas. A sustentabilidade será um pré-requisito para operar, e não um diferencial.
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Fernanda de Carvalho é Engenheira Florestal formada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Mestre em Ambiente, Sociedade e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Também estudou na Technische Universität München, Alemanha, onde cursou disciplinas do Mestrado em Manejo de Recursos Sustentáveis com ênfase em Silvicultura e Manejo de Vida Selvagem. Dedicou parte da sua carreira a projetos de Educação Ambiental e pesquisas relacionadas à Celulose e Papel. Trabalhou com Restauração Florestal e Formação Ambiental na Suzano S/A e como Consultora de Comunicação da Ocyan S/A. É conhecida no setor florestal pelos artigos publicados nos blogs Mata Nativa e Manda lá Ciência.