
Os relatórios de sustentabilidade se consolidaram como uma das principais ferramentas de comunicação das empresas com a sociedade, investidores e demais stakeholders. No entanto, não são raras as críticas de que esses documentos, muitas vezes extensos e técnicos, algumas vezes funcionam mais como peças de marketing do que como instrumentos reais de transparência.
É comum vermos páginas e páginas destacando apenas os feitos positivos, os prêmios recebidos e os investimentos em projetos socioambientais — enquanto os desafios, contradições e pontos de melhoria passam despercebidos ou são tratados de forma superficial.
Além disso, esses relatórios podem ter centenas de páginas, repletas de dados técnicos, gráficos e siglas. Poucas pessoas têm tempo — ou disposição — para analisá-los em profundidade. E é aí que esta série entra.
Vamos trazer uma leitura crítica, acessível e embasada dos principais relatórios de sustentabilidade de grandes empresas. A cada edição, destacaremos os pontos fortes, as fragilidades e as oportunidades reais de melhoria, com base nos próprios números apresentados pelas companhias. Afinal, se olharmos com atenção, os problemas também estão lá — nos dados, nas metas não alcançadas, nos indicadores mal explicados ou na ausência de compromissos mais robustos.
Começamos esta série com a análise do Relatório de Sustentabilidade 2024 da Suzano, uma das maiores empresas de papel e celulose do mundo. Vamos entender o que o documento nos mostra — e o que ele ainda deixa a desejar — sobre a sustentabilidade na prática.
Destaques Positivos do Relatório de Sustentabilidade da Suzano
Compromisso com a Regeneração Ambiental
A Suzano segue avançando na agenda ambiental. Um exemplo é a meta de conectar 500 mil hectares de fragmentos florestais até 2030, dos quais 157 mil hectares já foram conectados, sendo 102 mil apenas em 2024. Além disso:
- Remoção acumulada de 29,4 milhões de tCO₂e desde 2020.
- 1,1 milhão de hectares conservados, incluindo 85 mil hectares classificados como Áreas de Alto Valor de Conservação (AAVC).
- 90% da energia utilizada é proveniente de fontes renováveis.
- Redução de 61% nos incêndios florestais em áreas da companhia, contrastando com o aumento nacional.
Desempenho Social Relevante
A companhia mostra grande protagonismo no combate à pobreza:
- 97.342 pessoas retiradas da linha da pobreza desde 2020, sendo 45.459 apenas em 2024.
- 371.996 pessoas beneficiadas por programas sociais, com destaque para as áreas de educação, geração de renda e infraestrutura.
- Investimento de R$ 59,2 milhões em projetos sociais, excluindo incentivos fiscais.
Resultados Econômico-Financeiros e ESG Integrados
O relatório comprova que é possível aliar performance financeira com impacto positivo:
- Receita líquida: R$ 47,4 bilhões.
- EBITDA ajustado: R$ 23,8 bilhões (+31% em relação a 2023).
- 46% da dívida atrelada a compromissos de sustentabilidade.
- Investimento de R$ 174 milhões em P&D e inovação, com 804 patentes registradas.
Internacionalização e Novos Negócios
A Suzano ampliou sua presença internacional com:
- Compra de duas fábricas da Pactiv Evergreen nos EUA (420 mil toneladas de papelcartão/ano).
- Participação de 15% na austríaca Lenzing AG, referência em fibras têxteis sustentáveis.
- Expansão da Eucafluff®: a unidade de Limeira quadruplicará a produção, atingindo 440 mil toneladas anuais.
Pontos de Melhoria Identificados
1. Nota de Clima no CDP
Apesar do bom desempenho geral em ratings ESG, a Suzano teve redução na nota de clima no CDP, caindo para “C” em 2024, reflexo de mudanças metodológicas e, possivelmente, de lacunas em estratégias de mitigação de emissões absolutas ou na integração de métricas mais ambiciosas de descarbonização.
Recomendação: Adotar compromissos Net Zero com base científica (SBTi) e publicar roadmap de descarbonização com metas intermediárias de curto prazo.
2. Diversidade Racial e de Gênero nas Lideranças
Apesar de avanços, mulheres ocupam apenas 27,3% das posições de liderança, e pessoas negras, 22%. Embora acima da média nacional, ainda são indicadores que mostram espaço para evolução em representatividade.
Recomendação: Estabelecer metas públicas de diversidade para liderança até 2030, com recortes interseccionais e plano de aceleração de carreiras para grupos minorizados.
3. Relação com Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais
O relatório cita 73.730 pessoas beneficiadas em comunidades locais e povos indígenas, mas falta detalhamento qualitativo e de impactos estruturantes, como inclusão produtiva ou proteção territorial.
Recomendação: Desenvolver indicadores específicos para mensuração de impacto nas comunidades tradicionais, incluindo consulta prévia, livre e informada (Convenção 169 da OIT).
4. Rastreamento e Transparência na Cadeia de Fornecimento
Embora o tema ESG nos fornecedores esteja presente, o relatório não traz indicadores robustos de rastreabilidade socioambiental da cadeia de suprimentos, especialmente em temas como desmatamento e trabalho análogo ao escravo.
Recomendação: Implementar e reportar sistema de due diligence de fornecedores com foco em critérios ESG, com mapeamento completo da cadeia até o produtor florestal.
Conclusão
O Relatório de Sustentabilidade 2024 da Suzano representa uma referência para o setor de base florestal no Brasil e no mundo, com práticas sólidas e resultados concretos em diversas frentes. O compromisso com metas socioambientais de longo prazo, a capacidade de integrar inovação à sustentabilidade e o investimento em educação e biodiversidade são diferenciais que colocam a empresa em posição de liderança global.
Entretanto, para manter esse protagonismo, será essencial aprofundar a agenda de clima, diversidade e rastreabilidade da cadeia, reforçando a transparência e os compromissos com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e com a nova economia regenerativa.
Nota: Importante destacar que essa análise reflete a interpretação técnica e crítica do analista, baseada em critérios ESG reconhecidos e na leitura minuciosa do relatório. Outras interpretações podem ser possíveis, e o objetivo aqui é contribuir com o debate e ampliar a compreensão sobre os desafios reais da sustentabilidade corporativa.

Fernanda de Carvalho é Engenheira Florestal formada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Mestre em Ambiente, Sociedade e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Também estudou na Technische Universität München, Alemanha, onde cursou disciplinas do Mestrado em Manejo de Recursos Sustentáveis com ênfase em Silvicultura e Manejo de Vida Selvagem. Dedicou parte da sua carreira a projetos de Educação Ambiental e pesquisas relacionadas à Celulose e Papel. Trabalhou com Restauração Florestal e Formação Ambiental na Suzano S/A e como Consultora de Comunicação da Ocyan S/A. É conhecida no setor florestal pelos artigos publicados nos blogs Mata Nativa e Manda lá Ciência.