Senado aprova desmonte do licenciamento ambiental a menos de seis meses da COP30

Projeto de Lei impulsionado por Davi Alcolumbre fragiliza marco legal ambiental brasileiro e é classificado como o maior retrocesso em quatro décadas. Ambientalistas alertam para impactos graves à saúde, biodiversidade e clima.

O Senado Federal aprovou na noite desta quarta-feira (21) o Projeto de Lei 2.159/2021, que altera profundamente as regras do licenciamento ambiental no Brasil. Com 54 votos favoráveis e 13 contrários, o texto segue agora para revisão na Câmara dos Deputados. A proposta é considerada por especialistas e organizações ambientais como o maior ataque à legislação ambiental brasileira desde a Constituição de 1988 — e sua aprovação ocorre a menos de seis meses da COP30, conferência climática da ONU que acontecerá em Belém (PA).

Patrocinado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), o projeto amplia os retrocessos já presentes na versão aprovada pela Câmara em 2021. Entre os pontos mais criticados está a criação da Licença Ambiental Especial (LAE), incluída por meio de uma emenda de última hora. A nova modalidade permite a aprovação de empreendimentos estratégicos por decisão política, sem necessidade de estudos de impacto ambiental ou avaliação técnica por órgãos como o Ibama.

Reações contundentes da sociedade civil

A aprovação gerou reações imediatas de ambientalistas, juristas e representantes de organizações não governamentais, que veem na medida uma violação aos princípios constitucionais e internacionais de proteção ambiental.

Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, criticou duramente a iniciativa. “O licenciamento se transformará, na maioria dos processos, num apertar de botão, sem estudo ambiental e sem avaliação de impactos. É a implosão de nossa principal ferramenta de prevenção de danos ambientais.”

Marcos Woortmann, do Instituto Democracia e Sustentabilidade, declarou que o resultado da votação representa uma política de “terra arrasada”, alertando para o retorno a padrões ultrapassados de desenvolvimento, comparáveis aos casos históricos de degradação, como o de Cubatão (SP).

Malu Ribeiro, da SOS Mata Atlântica, destacou o impacto da proposta sobre biomas já ameaçados: “O jabuti que altera a Lei da Mata Atlântica abre caminho para o desmatamento e coloca em risco os 12% restantes da cobertura original do bioma, essenciais para a segurança hídrica e climática do país.”

Licença Ambiental Especial: um “atalho perigoso”

Especialistas denunciam que a LAE funciona como um bypass institucional, removendo do processo os órgãos técnicos de fiscalização ambiental e permitindo que decisões sejam tomadas por critérios políticos.

Mariana Mota, gerente de políticas públicas do Greenpeace Brasil, alertou que a nova licença “será uma rota alternativa que contorna o Ibama. Não é agilidade, é negligência travestida de eficiência.”

Alice Dandara de Assis Correia, do Instituto Socioambiental (ISA), ressaltou os efeitos sobre comunidades tradicionais e a população mais vulnerável: “O novo rito desrespeita direitos constitucionais, e expõe milhões de brasileiros a crimes ambientais e degradações irreversíveis.”

Críticas à ausência da ministra Marina Silva

Apesar de o Ministério do Meio Ambiente (MMA) afirmar que participou “ativamente” das discussões, a ausência da ministra Marina Silva foi criticada por parlamentares que esperavam uma atuação mais incisiva. O relator do projeto na Comissão de Meio Ambiente, senador Confúcio Moura (MDB-RO), declarou ao g1 que houve um período prolongado de afastamento da pasta. “Foram seis, sete meses sem contato. Eu atrás, ligando. Vou aqui, vou ali, e nada.”

O MMA rebateu as críticas, afirmando em nota que participou de audiências públicas, reuniões e tratativas com os relatores das comissões envolvidas. Segundo o ministério, “é inverídica a alegação de que houve omissão”.

Conflito com acordos internacionais e riscos à COP30

A aprovação do projeto coloca o Brasil em posição delicada diante da comunidade internacional. A ausência do termo “clima” no texto, mesmo em um ano marcado pela COP30 em território brasileiro, foi alvo de duras críticas.

Thales Machado, da Conectas Direitos Humanos, afirmou que “o texto expõe o país a retrocessos inaceitáveis, deixando comunidades vulneráveis à contaminação de solo, água e ar.”

Ana Carolina Crisostomo, do WWF-Brasil, foi enfática: “O PL 2.159 sinaliza ao mundo que o Brasil está disposto a sacrificar seu maior patrimônio coletivo em troca de interesses políticos imediatistas.

Expansão do gás fóssil e impactos à fauna silvestre

A nova legislação também favorece empreendimentos ligados à expansão do gás natural, como denunciou Renata Prata, do Instituto Arayara: “Com a simplificação do licenciamento para térmicas a gás, abre-se a porteira para um modelo energético poluente e ultrapassado.”

A fauna brasileira também será impactada. De acordo com Natália de Figueiredo, da Proteção Animal Mundial, “o PL da Devastação terá um efeito catastrófico na nossa biodiversidade, ignorando a proteção dos animais silvestres.”

Mobilização ignorada

A aprovação do projeto ocorreu mesmo diante de intensa mobilização popular e institucional. Segundo Lucas Louback, do coletivo NOSSAS, cerca de 70 mil pessoas enviaram e-mails, marcaram senadores nas redes sociais e participaram de atos em Brasília. “Mas o Senado escolheu ignorar a população e priorizar os interesses das grandes empresas.”

O que acontece agora

Com a aprovação no Senado, o PL 2.159/2021 retorna à Câmara dos Deputados, que já havia aprovado uma versão anterior em 2021. A expectativa de mudanças substanciais é baixa. Especialistas e organizações da sociedade civil agora pressionam por vetos presidenciais aos pontos mais críticos da proposta.

Entidades como Greenpeace, Observatório do Clima, ISA, WWF, SOS Mata Atlântica, Conectas e Proteção Animal Mundial já anunciaram que intensificarão a mobilização para barrar os efeitos da nova legislação. A aprovação do PL 2.159/2021, no entanto, marca um divisor de águas na política ambiental brasileira, sinalizando que a luta por um modelo de desenvolvimento sustentável e justo será ainda mais desafiadora nos próximos anos.

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